quinta-feira, outubro 05, 2006

SINAIS DO CONCELHO

O PRAZER DO ERRO

Falar da amizade, por certo a elogiar tão nobre e necessário sentimento, o que muito ilustrará os leitores, satisfazendo-lhes o gosto de serem bons, justos e reconfortantes para com o seu semelhante e a esperarem, com justeza, que lhes retribuam, ainda que com escassez, aquilo que devotam aos outros.Todavia, eu, vou escapar à batuta do maestro mas sem cair no fascínio do ódio, na atracção do mal nem na insensibilidade do egoísmo que, sem rei nem roque, preenchem o nosso mundo desvairado pela violência, minado pela doença e destruído pela guerra. Vou falar-vos a propósito de um jogo com que o Homem se diverte, na luxúria do engano e no prazer do erro, no estímulo da discórdia e no interesse do desentendimento com que se deseja estimular o que de pior pode haver na natureza humana.Reparem não estar eu, assim, a recusar um tema “amizade”. Pelo contrário, trata-se de criticar a corrente de uma sinfonia proposta para nela criar um pequeno “pizzicato” que, embora dissonante, se integra e acompanha a grandeza do movimento sinfónico. É ainda a única forma de aqui integrar alguns assuntos do mundo do futebol – o da arbitragem e o Estado de Direito que acaba à porta do futebol.Permanecem os árbitros encerrados na absurda concepção de imporem decisões súbitas,precipitadas e irrevogáveis de um único homem mal ajudado e abusivamente pressionado.Os “Aristocratas” do futebol internacional recusam-se a modernizar a arbitragem por temerem que o espectáculo perca emoção por deixar de ter controvérsia. Concederam um “quarto árbitro” sem outras funções que não sejam as de um mordomo solícito ou de uma ordenança obediente. Mas recusam as tecnologias que evitariam os equívocos que alimentam os conflitos. Pensam que a dúvida, os sentimentos mais violentos, a polémica é que interessa às massas que elegeram o futebol como o mais apaixonante espectáculo do mundo.Todos vimos o penalti que não existiu contra o Beira Mar no jogo em Leiria que só o árbitro viu e mandou marcar sem apelo nem agravo. Todos vimos um golo legal de Messi a passe de Aimar no Mundial ser invalidado à Argentina por fora de jogo, ou o golo ilegal marcado com a mão no jogo Sporting /Paços de Ferreira .
NÃO HÁ NENHUMA RAZÃO PARA OS ÁRBITROS NÃO SEREM AJUDADOS pelas imagens do vídeo, como já sucede no futebol australiano e em certas partidas de “rugby”. O único argumento para este estado de coisas só pode ser o da atracção do erro, uma crença que é a delícia dos conservadores mas que ofende os espectadores em geral e, em particular, aqueles que como eu gostam muito de futebol mas acompanham o mundo em que vivemos.O futebol é, hoje em dia , algo muito sério. Tão sério, que necessita de ser actualizado, acompanhando um Mundo que cada vez mais vê tudo o que há para ver que pensa pela sua própria cabeça e forma as suas próprias opiniões, não gostando de ser enganado sem vergonha, nem aceitando injustiças voluntárias ou erros sem dolo que só criam vítimas por falsos respeitos e conceitos ultrapassados que não têm razão para continuarem a existir.
À PORTA DO FUTEBOL ACABA O ESTADO DE DIREITO? O “caso Mateus” prossegue, os juristas e especialistas em direito desportivo encarregar-se-ão de explicar tecnicamente a sinuosidade do que se está a passar.Visto de fora, encontram-se razões de perplexidade. As instituições que gerem o futebol são um verdadeiro Estado dentro do Estado. È normal que, até certo ponto, possuam regras próprias e órgãos internos de justiça paralelos aos do Estado. Mas não se percebe essa autonomia seja total, impedindo o recurso para tribunais comuns depois dos órgãos próprios actuarem.Aliás esses poderes não conhecem fronteiras. A FIFA, uma verdadeira empresa multinacional, também dispõe sobre a articulação jurídica entre o futebol e o resto. A FIFA pressiona a FPF. Esta pressiona os clubes, o Governo, o Estado e quem tiver que ser pressionado para que tudo seja feito à vontade dos altos e inquestionáveis poderes da FIFA. No final da cadeia, quem escrutina a FIFA e as regras que ela criou? A quem responde esta entidade que mexe com milhares de milhões de euros e adeptos? Aparentemente ninguém, nem a justiça, nem os tribunais dos Estados de direito.Se o prevaricador é o Gil Vicente, que recorreu aos tribunais civis quando não podia“e nem isto é pacifico para os juristas”, porque é que a penalização há-de recair sobre terceiros da selecção aos clubes que participam em competições europeias?A única coisa que faz sentido é que o Gil Vicente sofra todas as consequências das suas acções.A este “terror “ jurídico e regulamentar instituído no mundo do futebol todas as autoridades assistem como a maior das naturalidades. Dos tribunais, das entidades nacionais às comunitárias. Estas disposições estão de acordo com os princípios da Constituição e dos tratados europeus? Qual é o limite para criação de autênticos buracos negros, nas regras do Estado de direito? Que grupos organizados podem criar as suas próprias leis e tribunais? E é legítimo que organizações e indivíduos abdiquem, sem possibilidade de retorno, dos direitos fundamentais de recurso à justiça do mundo real? Ou sejam obrigados a desistir desse direito em nome de uma qualquer “normalidade futebolística”.Se o Gil Vicente sente que tem a razão do seu lado deve de ir até ao fim. Se alguma coisa acontecer a terceiros, essa culpa não será dele. É apenas de regras e dirigentes que punem terceiros inocentes, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Botas Soares
Jurista e membro do Executivo da JF de Fazendas de Almeirim

In o jornal"O Almeirinense" de 01/10/2006

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