terça-feira, setembro 26, 2006

Discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas

"2006-09-21
Discurso do Primeiro-Ministro na 61ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque

Senhora Presidente da Assembleia GeralSenhor Secretário-Geral

Distintos Delegados

1. Gostaria de começar por saudar a Senhora Haya Al Khalifa, a primeira mulher em quase quarenta anos a exercer as funções de Presidente desta Assembleia Geral. Desejo-lhe, Senhora Presidente, os maiores sucessos para o mandato que agora inicia, e quero assegurar-lhe o apoio firme de Portugal no desempenho do seu cargo. Estamos seguros de que dará continuidade ao excelente trabalho levado a cabo pelo seu antecessor, o Senhor Ministro Jan Eliasson.

2. Esta Assembleia Geral fica marcada, todavia, por ser a última em que o Secretário-Geral Kofi Annan está em funções. É meu dever exprimir aqui, em nome do povo português, o nosso sentido e profundo apreço pela forma como desempenhou o seu cargo ao longo destes dez anos, contribuindo de forma concreta para a paz e a estabilidade internacional, num mundo que desejamos mais justo.

3. Foi no seu mandato - e com todo o seu empenho pessoal - que vimos nascer o novo Estado de Timor-Leste. Portugal não esquecerá esta que foi uma das últimas grandes vitórias das Nações Unidas, na luta pelo direito dos povos à auto-determinação, e na defesa dos valores contidos na Carta.
As Nações Unidas têm desenvolvido um trabalho fundamental neste país, em matéria de manutenção da paz, de consolidação de um Estado de Direito e, em conjunto com os países doadores, na criação dos alicerces para um futuro económico e social mais próspero para o povo timorense.
Há ainda um longo caminho a percorrer. Mas é importante que o povo timorense saiba que pode contar com as Nações Unidas. A recente crise interna levantou uma séria questão em matéria de segurança, cuja resolução se torna vital para a estabilização do país.
Saudamos, por isso, a nova Missão de paz das Nações Unidas em Timor-Leste, que representa a continuidade do forte investimento da Comunidade Internacional naquele país. Portugal participa activamente naquela missão, coerente com o seu contínuo empenho, há mais de três décadas, na afirmação política do novo Estado de Timor-Leste.
Desejo também fazer aqui justiça à memória de Sérgio Vieira de Mello, barbaramente assassinado há três anos em Bagdade. Não esqueceremos tudo aquilo que ele fez pela justa causa do povo timorense, e pelos valores que as Nações Unidas representam
Senhora Presidente,

4. A última década tem sido de grandes mudanças. As Nações Unidas tiveram indubitáveis sucessos, mas houve também oportunidades perdidas. Muitos acusam esta Organização de demasiada complexidade, de lentidão no processo decisório, e de excessiva burocracia. Mas se algo houve que tenhamos aprendido nestes últimos anos foi que não há alternativa ao multilateralismo, onde as Nações Unidas desempenham um papel determinante.
As Nações Unidas são um dos maiores garantes da nossa segurança colectiva. Há que preservá-la e reforçá-la. É um investimento do qual saímos todos a ganhar. Cada um de nós é membro desta Organização, não só para promover interesses próprios, mas também - ou sobretudo, diria eu - para cumprir as esperanças e os sonhos dos povos do mundo inteiro.
O mundo de hoje está pleno de riscos e de ameaças que nenhum país consegue sozinho enfrentar. Não arriscarmos tarefas em conjunto é meio caminho andado para um fracasso. A realidade tem mostrado isso com evidência.
Sublinho, por isso, o compromisso de Portugal com o multilateralismo, pois acreditamos firmemente que é nesta via onde melhor se defendem os valores essenciais da paz e do desenvolvimento.

5. Grande parte desta acção multilateral repousa num diálogo entre culturas e civilizações. Através dele assumimos uma responsabilidade de se ultrapassarem obstáculos, preconceitos e, sobretudo, a ignorância. O nosso desafio aqui é não nos reduzirmos a meras declarações, mas sim darmos passos firmes e concretos no sentido de uma maior interacção entre povos e culturas.
Apesar das enormes incertezas e incompreensões do mundo de hoje, temos um conjunto de princípios - consagrados na nossa Carta - que nos podem inspiram e guiam. Eles são a nossa melhor ajuda.
Mas o diálogo entre culturas e civilizações impõe também agendas políticas domésticas exigentes, no respeito pela diferença e na inclusão de todos na sociedade, independentemente de crenças ou religiões.
Por outro lado, impõe igualmente avanços no comércio internacional e no fortalecimento dos laços económicos entre o norte e o sul. Um comércio mundial reforçado é um investimento na nossa própria segurança e peça essencial para o sucesso daquele diálogo. Daí a importância de se ultrapassar os obstáculos da ronda de Doha, para alcançar um acordo no âmbito das negociações em curso na Organização Mundial do Comércio. Devemos estar todos dispostos a ceder algo a fim de que todos possam no fim ganhar.
Senhora Presidente.

6. Um dos maiores desafios políticos que enfrentamos neste diálogo de culturas e civilizações é sem dúvida o Médio Oriente. Esta região continua a ser um dos principais focos de instabilidade no mundo. Todos temos presentes as imagens dolorosas da recente crise no Líbano, em que testemunhámos o sofrimento das populações civis de ambos os lados do conflito. Isso só reforça a necessidade de continuarmos activamente empenhados em encontrar uma solução permanente e equilibrada, que permita uma dinâmica de esperança e de paz na região.
O Médio Oriente não constitui uma questão militar. É, acima de tudo, um desafio político e diplomático.
Não devemos, por isso, desperdiçar a janela de oportunidade que constitui a resolução 1701 do Conselho de Segurança. É um desafio em que as Nações Unidas e a União Europeia assumem responsabilidades partilhadas na promoção da paz e da estabilidade, através de um multilateralismo efectivo.
Portugal cumpre o seu dever e apoia a aplicação urgente da resolução, e estamos presentes na UNIFIL, por forma a velar pela aplicação daquela resolução.
Senhora Presidente

7. Quero mais uma vez chamar a atenção para África. Portugal tem dedicado grande atenção e esforços a este continente, que não podemos deixar cair no esquecimento. Há progressos que nos cumpre encorajar, e há responsabilidades históricas às quais o mundo desenvolvido não pode virar as costas.
É-me grato sublinhar a determinação com que a União Europeia tem vindo a reforçar a sua parceria e estratégia conjunta com África. A elaboração em curso de uma Estratégia Conjunta euro-africana irá conduzir a um «guião» das nossas relações com África em áreas fundamentais como a paz e a segurança, a boa-governação e os direitos humanos, o comércio e a integração regional, ou desenvolvimento humano.
Há que sublinhar a palavra «conjunta». A responsabilidade é comum a todos, africanos e europeus. É nosso desejo que em breve haja as condições para que esta Estratégia possa ser adoptada. E espero que o seja, ao mais alto nível, quando se realizar em Lisboa a II Cimeira UE-África.
Nos últimos anos, com a consolidação da União Africana e de diversas organizações e iniciativas regionais, o continente tem vindo a realizar, nos mais diversos domínios, importantes progressos impulsionados a partir do próprio continente e pelas suas instituições. É nosso dever reconhecer estes desenvolvimentos e, com renovado esforço, apoiá-los.

8. Quero também recordar-vos de que em Julho passado, em Bissau, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa celebrou o seu 10º aniversário. Esta Organização tem vindo a consolidar-se e a fortalecer a sua intervenção no sistema das Nações Unidas, onde já detém o estatuto de observador, apresentando-se como uma organização credível na promoção de parcerias internacionais.
Em Bissau, assumimos o compromisso de cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, através da definição e execução da estratégia geral de cooperação, que atribui prioridade à concretização daqueles objectivos. Esta é a nossa prioridade. Vamos aplicá-la, definindo e executando uma estratégia de cooperação bilateral e multilateral que acelere o combate à pobreza, alivie as pressões dos fluxos migratórios, e promova um desenvolvimento sustentável.

9. Setembro em Nova Iorque, para além de tudo o mais, não pode constituir uma peregrinação anual de redescoberta desta Organização. A credibilidade da ONU está, afinal de contas, nas mãos de cada um de nós.

Enfrentamos todos os mesmos desafios. Mas, ao mesmo tempo, eles dão-nos também a oportunidade de vivermos de acordo com os nossos ideais e de pormos em prática os princípios que há mais de seis décadas nos norteiam. A única saída é procurarmos soluções em conjunto.
Para isso, precisamos de umas Nações Unidas mais fortes e coesas.

Devemos isso a nós próprios.

Devemos isso às gerações futuras."

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